De Rua Direita à Rua 13 de Junho: Como as Ruas Antigas de Cáceres Mantêm Viva a Memória da Guerra do Paraguai
- rota cacerense
- 13 de ago.
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Ao caminhar pelo Centro Histórico de Cáceres, é possível sentir que cada placa de rua carrega mais que um endereço — ela é um fragmento da história, uma janela para o passado. Por trás de cada nome há uma narrativa de bravura, resistência, poder e identidade, cuidadosamente escolhida para que a memória coletiva não se perca com o tempo.
Tombado como Patrimônio Cultural de Mato Grosso, o Centro Histórico reúne 25 ruas que, desde a fundação da cidade, foram cenário de importantes transformações. Algumas mantiveram sua nomenclatura original, outras sofreram mudanças que apagaram denominações antigas e fixaram novas referências — muitas delas ligadas diretamente à Guerra do Paraguai (1864-1870), um dos conflitos mais marcantes da história brasileira e que teve Mato Grosso como palco de episódios decisivos.
Das denominações populares às homenagens históricas
No início, as ruas recebiam nomes simples, dados pela população a partir de pontos de referência, como igrejas, comércios ou moradores conhecidos. Assim nasceram nomes como Rua do Meio, Rua Direita ou Rua do Alegre. Com o tempo — especialmente após a chegada da Corte Portuguesa em 1808 e a formalização da nomeação de logradouros —, essas ruas passaram a receber títulos oficiais, muitas vezes em homenagem a personalidades políticas, militares ou a datas memoráveis.
O processo não foi apenas administrativo: cada renomeação refletia um contexto histórico, uma decisão política e, muitas vezes, um desejo de eternizar feitos considerados exemplares.
A Guerra do Paraguai escrita nas esquinas
Boa parte das ruas atuais do Centro Histórico rememora heróis, batalhas e episódios da Guerra do Paraguai, conflito no qual Cáceres esteve diretamente envolvida. Entre os exemplos mais emblemáticos estão:
Rua 13 de Junho – Antiga Rua Direita, passou a homenagear a Retomada de Corumbá, em 1867, quando as forças brasileiras reconquistaram a cidade tomada pelos paraguaios.
Rua da Tapagem – Nome que eterniza o episódio em que uma barreira natural de camalotes no rio Paraguai impediu que embarcações inimigas chegassem a Cáceres, sendo interpretado pela população como um milagre do padroeiro São Luís.
Rua Voluntários da Pátria – Celebra os brasileiros que, movidos pelo patriotismo, se alistaram para lutar na guerra.
Rua Porto Carrero – Homenagem ao Tenente-Coronel Hermenegildo Porto Carrero, que defendeu heroicamente o Forte Coimbra.
Rua Antônio Maria – Recorda o comandante Antônio Maria Coelho, figura central na Retomada de Corumbá.
Rua Marechal Deodoro – Evoca o líder militar e político que, além de participar da guerra, proclamou a República.
Rua Gal. Osório – Relembra o general Manuel Luís Osório, um dos grandes nomes da campanha contra o Paraguai.
Cada um desses nomes não apenas indica um local, mas transporta quem passa por ali para o calor dos acontecimentos que moldaram o destino da cidade e do país.
Quando o nome é poder, memória e identidade
Nem todas as homenagens estão ligadas à guerra. Algumas ruas carregam nomes de figuras que marcaram a economia e a política local, como o Coronel José Dulce, comerciante influente e proprietário da Casa José Dulce & Companhia, ou o Coronel Faria, intendente municipal. Outras mantêm vivas as origens da cidade, como a Rua 6 de Outubro, que marca a fundação de Villa Maria do Paraguai (atual Cáceres).
Esse processo de nomear e renomear logradouros é, na prática, um ato político e cultural: escolhe-se o que deve permanecer na memória coletiva e o que será apagado. Antigos nomes como Rua do Meio, Rua de Baixo ou Rua Princesa D. Januária desapareceram das placas e, para muitos, também da lembrança.
Um convite para caminhar pela história
Conhecer o significado dos nomes das ruas é redescobrir Cáceres sob outra perspectiva. É perceber que a cidade não é apenas um conjunto de prédios e vias, mas um texto vivo, escrito ao longo de séculos. Cada placa é uma pista, cada esquina uma história.
A próxima vez que você passar pela Rua 13 de Junho ou pela Rua da Tapagem, imagine as tropas, os navios, os sons e silêncios de um tempo em que a cidade estava no centro de um dos maiores conflitos da América do Sul. Lembrar é manter viva a identidade, e Cáceres, com suas ruas, continua a contar — em silêncio e letras brancas sobre fundo azul — a saga de seu povo. FONTE: REIS, Mirami Gonçalves Sá dos; KARIM, Taisir Mahmudo. A constituição do Centro Histórico de Cáceres-MT: um acontecimento construído a partir de nomes de ruas. Revista de Estudos Acadêmicos de Letras, Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT, Cáceres, p. 138-161.








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