top of page
baa171e6-c75c-49fe-8015-0e37c8da3ba1.png
Buscar

Lavadeiras de Cáceres: trabalho, cultura e identidade às margens do rio Paraguai


Fotografia das Lavadeiras na Praia do Daveron. Acervo do Engenheiro Adilson dos Reis
Fotografia das Lavadeiras na Praia do Daveron. Acervo do Engenheiro Adilson dos Reis

No início do século XX, quando Cáceres ainda dava seus primeiros passos rumo à urbanização, o rio Paraguai não era apenas fonte de água potável para a cidade: ele era também um espaço de convivência, lazer e, sobretudo, de trabalho. Antes da canalização do abastecimento, suas margens se tornaram o palco da labuta diária das lavadeiras — mulheres que, com força, habilidade e resistência, lavavam roupas para inúmeras famílias cacerenses.


Na ausência de lavanderias e serviços modernos, as lavadeiras eram figuras centrais na dinâmica social da cidade. Cedinho, ainda ao nascer do sol, preparavam o chamado “quebra-torto” (refeição matinal reforçada) e seguiam com trouxas de roupas, bacias, sabão, anil e porretes para o rio. Dividiam-se entre portos conhecidos da comunidade: Furadinho, Malheiros, Fonseca, Dom Thomaz e Carne Seca.

Ali, acocoradas dentro d’água, trabalhavam incansavelmente, batendo e esfregando roupas em meio ao som das conversas animadas, que misturavam histórias de vizinhança, confidências e risadas. A frieza do rio, muitas vezes, era enfrentada com um gole de cachaça, enquanto o almoço podia ser preparado ali mesmo, na beira da praia.


As lavadeiras carregavam sobre a cabeça pesadas bacias com roupas limpas e úmidas, equilibrando o peso com a mesma leveza com que sustentavam a própria vida. O retorno para casa, ao entardecer, marcava o fim de uma jornada dura, mas recompensadora: dali vinha o sustento de muitas famílias.


Nomes como o de Nha Luiza, lembrada com carinho pelos moradores, permanecem vivos na memória coletiva. Ela, assim como dezenas de outras mulheres, ajudou a consolidar uma prática que, além de garantir renda, moldou parte importante da cultura cacerense.


Naquela época, Cáceres também se caracterizava por suas ruas estreitas, que variavam entre poeirentas na seca e lamacentas no período das chuvas. Ambulantes com carrocinhas vendendo legumes, aves e verduras dividiam espaço com leiteiros, aguadeiros e, claro, com as lavadeiras que seguiam em direção ao rio. Animais domésticos circulavam livremente entre os transeuntes, compondo um cenário pitoresco que hoje só existe na memória e nos relatos.


O trabalho das lavadeiras foi muito mais que um ofício: tornou-se símbolo de resistência feminina, de união comunitária e de adaptação ao ritmo das águas do rio Paraguai. Ao mesmo tempo em que lavavam roupas, elas teciam histórias, fortaleciam laços e deixavam um legado que merece ser lembrado.


Como escreveu o poeta Natalino Ferreira Mendes, as lavadeiras não foram apenas personagens de um tempo que passou. Elas sedimentaram-se na cultura do povo cacerense, tornando-se parte inseparável da identidade da cidade.

 
 
 

Comentários


bottom of page