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Matto Grosso: The Great Brazilian Wilderness: O Primeiro Documentário Sonoro Feito em Cáceres-MT e a Incrível Expedição de 1931

Uma aventura que uniu ciência, cinema e a cultura Bororo no coração do Pantanal



Cartão promocional do filme "Matto Grosso", de 1932, retratando um menino Bororo na margem de um rio alimentando filhotes de lontra com peixe. Feito a partir de uma fotografia tirada pela expedição. Imagem PM 180101
Cartão promocional do filme "Matto Grosso", de 1932, retratando um menino Bororo na margem de um rio alimentando filhotes de lontra com peixe. Feito a partir de uma fotografia tirada pela expedição. Imagem PM 180101

Poucos imaginam que Cáceres, a charmosa Princesinha do Paraguai, foi palco de um dos momentos mais marcantes da história do cinema mundial. Em 1931, a cidade e a região do Pantanal mato-grossense receberam a Expedição Mato Grosso, que resultou no primeiro documentário sonoro já filmado no Brasil e um dos pioneiros do mundo: “Matto Grosso: The Great Brazilian Wilderness” (Mato Grosso: A Grande Natureza Brasileira).

O feito não apenas registrou imagens da fauna, da flora e da vida dos povos indígenas, mas também trouxe pela primeira vez a voz dos Bororo gravada em som sincronizado. Foi o primeiro registro sonoro da língua desse povo e, de quebra, um marco tecnológico na história do cinema.


Uma expedição ousada


Fotografia de uma dança Bororo à luz do fogo, tirada durante a expedição. Imagem PM 25659
Fotografia de uma dança Bororo à luz do fogo, tirada durante a expedição. Imagem PM 25659

A aventura foi organizada pelo Capitão Vladimir Perfilieff e pelo lendário caçador Alexander “Sasha” Siemel, conhecido como o “Homem-Tigre” por sua habilidade em caçar onças com uma lança, técnica que aprendera com os índios Guató.

Mas o grande visionário por trás do projeto foi ER Fenimore Johnson, herdeiro da Victor Talking Machine Company (criadora do famoso gramofone Victrola). Johnson queria algo inédito: levar para a selva equipamentos de cinema falado, que até então só existiam em estúdios de Hollywood.

O resultado foi uma equipe digna de filme de aventura: cinegrafistas de renome, fotógrafos, caçadores, antropólogos e até um avião anfíbio Sikorsky S-38 contratado da Pan Am para transportar suprimentos pelo Rio Paraguai até as margens do Xingu.


Cáceres, ponto de partida


Membros da expedição na entrada de uma caverna. Sasha Siemel (à esquerda) e Vladimir Perfilieff seguram a bandeira do Clube dos Exploradores. Vincenzo Petrullo está abaixo de Perfilieff, à esquerda. Imagem PM 27316
Membros da expedição na entrada de uma caverna. Sasha Siemel (à esquerda) e Vladimir Perfilieff seguram a bandeira do Clube dos Exploradores. Vincenzo Petrullo está abaixo de Perfilieff, à esquerda. Imagem PM 27316

A expedição chegou à região pelo Rio Paraguai, instalando-se no lendário Rancho Descalvados, uma fazenda histórica localizada nas proximidades de Cáceres. De lá, partiram para explorar o interior, registrar a cultura Bororo e tentar filmar a impressionante caçada de Sasha Siemel contra uma onça.

Embora a cena da onça não tenha dado certo — o animal se recusou a sair do curral improvisado —, as câmeras registraram momentos únicos da vida pantaneira e, sobretudo, os costumes indígenas. Foi a primeira vez que o som da fala e da música dos Bororo ficou gravado para a posteridade.


Tecnologia que desafiou a selva


Equipe de filmagem da expedição no topo do muro do curral de onças em Descalvados, construído para filmar Sasha Siemel atacando uma onça com uma lança. Imagem PM 27457.
Equipe de filmagem da expedição no topo do muro do curral de onças em Descalvados, construído para filmar Sasha Siemel atacando uma onça com uma lança. Imagem PM 27457.

Em pleno 1931, transportar toneladas de equipamentos de som e filmagem para o coração do Pantanal era quase impensável. O cinegrafista Floyd Crosby, que anos depois ganharia um Oscar e se tornaria pai do músico David Crosby, operava a câmera experimental que unia imagem e áudio em tempo real.

Esse foi o primeiro documentário com som sincronizado filmado fora de um estúdio. Ou seja: quando vemos um indígena falando no filme, ouvimos exatamente sua voz original. Hoje isso é algo banal em qualquer celular, mas na época foi uma conquista revolucionária.


O impacto cultural

Apesar de ter recebido críticas positivas, o filme não foi um sucesso de bilheteria em 1931. Com o tempo, quase caiu no esquecimento, até ser redescoberto e restaurado pelo Museu da Universidade da Pensilvânia (Penn Museum).

Décadas depois, cópias foram levadas novamente ao Mato Grosso, onde os Bororo atuais puderam assistir às imagens de seus ancestrais. Muitos reconheceram danças, rituais e até personagens lendários que até então só existiam nas histórias orais.

Para os indígenas, foi como reencontrar um pedaço vivo da memória cultural. Para os turistas e moradores de Cáceres, é a prova de que a cidade está diretamente ligada a um dos capítulos mais importantes da história do cinema mundial.


Um tesouro para Cáceres e para o mundo


Fenimore Johnson e Vincenzo Petrullo em frente ao avião anfíbio Sikorsky S-38. Apelidado de "Iate Aéreo do Explorador", 101 unidades foram fabricadas tanto para o Exército dos EUA quanto para fins privados. Imagem PM 25618
Fenimore Johnson e Vincenzo Petrullo em frente ao avião anfíbio Sikorsky S-38. Apelidado de "Iate Aéreo do Explorador", 101 unidades foram fabricadas tanto para o Exército dos EUA quanto para fins privados. Imagem PM 25618

Matto Grosso: The Great Brazilian Wilderness não é apenas um documentário: é um marco da união entre ciência, arte e aventura. Foi aqui, nas águas do Rio Paraguai e nos campos do Pantanal cacerense, que nasceu o primeiro documentário sonoro feito no Brasil.

Hoje, em tempos de tecnologia avançada, vale lembrar que tudo começou com uma ousadia quase improvável: levar uma câmera falante para a selva mato-grossense em 1931.

Para quem visita Cáceres, conhecer essa história é mergulhar em uma parte única do passado local, que conecta a cidade à história mundial do cinema e da antropologia. Um motivo a mais para se orgulhar de ser cacerense — e para os turistas, um convite irresistível a explorar não apenas a natureza, mas também a rica memória cultural da região.

Rawls desembarcando na aldeia Bororo e apertando a mão do chefe. Barco de expedição "El Wunco" à esquerda. Imagem PM 25671
Rawls desembarcando na aldeia Bororo e apertando a mão do chefe. Barco de expedição "El Wunco" à esquerda. Imagem PM 25671

Curiosidade para o leitor: o filme está disponível em DVD e pode ser encontrado nos arquivos do Museu Penn, na Filadélfia (EUA).


Trecho cortesia do Museu Penn, Museu de Arqueologia e Antropologia da Universidade da Pensilvânia.

FONTE:

"A Expedição ao Mato Grosso." Revista Expedition 60, n.º 3 (dezembro de 2018): -. Acessado em 19 de agosto de 2025. https://www.penn.museum/sites/expedition/the-matto-grosso-expedition/

 
 
 

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