O Navio Etrúria: Memória Viva da Navegação em Cáceres
- rota cacerense
- 20 de ago.
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Durante décadas, a cidade de Cáceres-MT foi marcada pela intensa movimentação no Rio Paraguai, rota fundamental para o comércio, a circulação de pessoas e o desenvolvimento econômico e social da região. Entre os símbolos dessa época de ouro da navegação está o lendário vapor Etrúria, embarcação que ainda hoje permanece viva na memória dos mais antigos e na história da cidade.
A construção e a chegada a Mato Grosso
O Etrúria foi construído em Gênova, na Itália, em 1890, totalmente em ferro, com 24 metros de comprimento e capacidade para 145 toneladas. Contava com camarotes executivos, amplos salões de refeições e espaços de convivência, sendo considerado um dos mais modernos navios de Mato Grosso no início do século XX.
Seu primeiro proprietário foi o comerciante italiano Geasone Rebuá, radicado em Corumbá. Em 1898, a embarcação foi adquirida pela tradicional casa comercial José Dulce & Companhia, de São Luiz de Cáceres, tornando-se peça-chave na ligação entre Cáceres, Corumbá e até mesmo rotas para o Rio de Janeiro e Santos.
Vida a bordo e cotidiano dos viajantes
As viagens do Etrúria não eram apenas transporte: eram experiências únicas. O navio possuía três pisos: o primeiro, com suítes e espaço de lazer; o segundo, com camarotes mais simples; e o terceiro, onde passageiros viajavam em redes e colchões pelo chão.
O abastecimento de lenha para as caldeiras, necessário ao motor a vapor, por vezes trazia riscos. Em uma de suas viagens, ao parar em uma baía para reabastecimento, um grupo de jovens desobedeceu às ordens do comandante e mergulhou no rio. Um deles, sem saber nadar, foi empurrado pelos companheiros e acabou desaparecendo nas águas escuras do Paraguai — episódio que abalou profundamente os viajantes daquela expedição.
O Etrúria e a vida em Cáceres
O navio se tornou um verdadeiro ícone social e cultural da cidade. Sua chegada ao Cais do Porto era um espetáculo: banda de música, foguetório e a população em peso aguardando ansiosamente as novidades trazidas de outras regiões.
O apito estridente do Etrúria era inconfundível, anunciando sua presença desde longe. Pessoas corriam para o porto para reencontrar familiares, receber visitantes ou simplesmente vivenciar aquele momento festivo. Muitas vezes, personalidades importantes desembarcavam em Cáceres pelo navio, como as religiosas francesas que chegaram em 1907 para iniciar missões na cidade.
Comércio e desenvolvimento
O Etrúria foi essencial no escoamento da produção local, principalmente da borracha, como a seringa fina defumada. Além disso, trouxe para Cáceres artigos importados da Europa, transformando a cidade, no final do século XIX e início do XX, em um polo moderno e conectado ao restante do país.
Epidemias e dificuldades
A movimentação intensa de passageiros também trouxe desafios. Em 1921, marinheiros do Etrúria foram diagnosticados com gripe espanhola, gerando preocupação das autoridades locais, que precisaram tomar medidas de prevenção para evitar a propagação da doença.

O declínio da navegação e o destino do navio
Com o passar das décadas e a mudança nos meios de transporte, a navegação a vapor entrou em decadência. Ainda assim, o Etrúria resistiu. Em 1950, após meses em estaleiro, retornou às águas do Paraguai, para alegria da população. O jornal A Razão, de Cáceres, descreveu a emoção do reencontro com o tradicional barco, chamando-o de “nosso vaporzinho”.
O comandante Victalino Ferreira Gomes, que dirigiu o navio por 15 anos, lembrava com carinho do apito, das festas no cais e da emoção das despedidas. No entanto, a trajetória do Etrúria em Cáceres chegou ao fim. Em 1978, segundo documentos da Marinha, foi transformado em lancha de apoio ao Serviço de Sinalização Náutica do Oeste, utilizado para verificação de balizamento e instalação de sinais no rio Paraguai.
O Etrúria na memória cacerense
Mesmo não navegando mais por Cáceres, o Etrúria continua vivo no imaginário coletivo da cidade. Para muitos, foi mais que um navio: foi testemunha de encontros, progresso, emoções e histórias que moldaram a identidade local.
Referências Bibliográficas
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Revista Pixe. Natalino Ferreira Mendes – Especial. Disponível em: revistapixe.com.br.








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