Parte 1 – Luiz Leduc e a Saga na Comissão Rondon
- rota cacerense
- 21 de ago.
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Uma série especial no Rota Cacerense

Estamos relembrando a Expedição Rondon a partir das páginas datilografadas, até os anos 1950, pelo autor Luiz Leduc, falecido em 25 de junho de 1966. O material é oriundo de parte de suas anotações feitas durante as viagens que, a partir de 1907, realizou ao lado de Rondon, onde, além de fotógrafo, executava várias outras missões atribuídas pelo Chefe da Comissão. Este texto foi transcrito por seu filho, Luiz Leduc Júnior, mantendo a riqueza de detalhes e o olhar único do fotógrafo sobre os acontecimentos.
Meu Primeiro Encontro com Rondon

Trabalhava eu numa firma de fotografias na Rua Gonçalves Dias, nº 2, no Rio de Janeiro. Nos primeiros meses do ano de 1907, chegou lá um senhor, apresentando-se como sendo o Major Rondon e dizendo que precisava de um fotógrafo, pedindo:
“Eu quero um rapaz assim, assim, assim… e que não tenha medo do sertão. Não se paga muito.”
Fui eu! Só eu.
Acompanhando o Sr. Francisco Xavier, cunhado e secretário particular do Chefe, dirigi-me à Rua Santo Amaro, no Catete, sede da Chefia, onde já estavam alguns oficiais que em breve deveriam partir para Mato Grosso, para apresentação e despedidas. O Sr. Xavier entrou na casa, para junto da família, e eu fiquei numa saleta, à espera de minha vez de ir à presença do Major.
A permanência dos oficiais prolongou-se e, em certo momento, um relógio bateu onze horas. Nesse instante, o grupo de militares e o Major apareceram onde eu me encontrava. Depois das despedidas e da saída dos oficiais, o Major veio a mim e, com um largo sorriso, apertou-me a mão. Impressionou-me particularmente esse homem, que me recebia de maneira bem diferente do que eu esperava, acreditando encontrar um homem altaneiro, de semblante severo, seco e de poucas palavras.
Estava eu completamente enganado. Ele não me deu tempo de falar sobre o motivo da minha presença; segurou-me pelo braço e disse:
“Vai almoçar conosco! Desejo conhecê-lo um pouco mais. Logo estaremos no sertão, e lá nos sentamos no chão, ao redor de um couro de boi estendido, no que são servidas as refeições. Desde já, são dispensadas as atitudes cerimoniosas.”
A senhora Francisca Xavier da Silva Rondon, esposa do Major, entrou nesse momento, e fui a ela apresentado. Indicaram-me um lugar, onde me sentei. O Major dirigiu-se a mim:
“Estou bem impressionado pelo que de si me foi dito. A Casa Marc Ferrez diz ser o amigo um hábil profissional e, antes de sua vinda para a Capital, era gaúcho nos Campos Gerais do Paraná. Folgo muito com isso, pois preciso de bons companheiros, afeitos à vida das campanhas, bons cavaleiros, resistentes, para suportar nossas andanças nas longas viagens nos chapadões, nas matas, a cavalo, a pé, sob o sol ou chuva, sendo que a água e os alimentos, quando e onde possível, sempre ou quase sempre sob condições as mais desvantajosas.”
Dona Chiquita, como era chamada a esposa do Chefe, mostrou-se maternalmente solícita em atender-me à mesa, oferecendo uma refeição vegetariana.
“Não usamos carne, senhor Luiz! Poderá passar sem esse prato hoje?”“Excelentíssima Senhora, sou do Sul, a vida na campanha adapta as pessoas a todos os regimes.”
Eu me empenhava em estudar aquele homem, diferente do comum: estatura regular, rosto moreno, robusto, de falar rápido e incisivo. Tudo quis saber de mim, inclusive minha saúde. Falou-me de seus encargos como Chefe da Comissão e de suas grandes preocupações pelos índios, tão abandonados pelos governos, humilhados e perseguidos, mas que ele continuaria protegendo, defendendo sua admissão à sociedade e à civilização.
Rondon era um homem puro, bom amigo, coração de ouro, excelente chefe e condutor de homens. Puritano por ideologia, só conhecia o dever, que o impedia de ir visitar a família, ficando enormes períodos longe de seus entes queridos. O amparo moral de sua esposa o acompanhou por toda a vida. Em seu livro Rondon conta sua vida, dedica um tocante preito de amor e reconhecimento, demonstrando como esse amor foi incomensurável e seu guia constante.
A Organização
No último trimestre de 1906, o Governo cogitou a penetração das linhas telegráficas pelo Oeste até o Amazonas. Aproveitando trabalhos anteriores do Coronel Antônio Ernesto Gomes Carneiro, partindo de Goiás até Cuiabá, o Presidente Afonso Pena escolheu o Capitão de Engenharia Cândido Mariano da Silva Rondon para liderar o projeto.
Chamado em janeiro de 1907, Rondon preparou-se para a Comissão das Linhas Telegráficas Estratégicas de Mato Grosso ao Amazonas, depois chamada de Comissão Rondon. Em menos de três meses, jornais anunciavam a chegada a Corumbá do navio Miranda, trazendo pessoal e material pesado, além de contingente militar do 5º Batalhão de Engenharia. O navio saiu do Rio de Janeiro em 28 de março de 1907, chegando a Corumbá em 17 de abril.
A Partida para Mato Grosso

Recebi instruções para testar os aparelhos fotográficos e cinematográficos antes da viagem, partindo no dia 6 de maio de 1907, do cais Pharoux, no Rio de Janeiro, às três horas da tarde. O Major Rondon e parte de sua família me despediram com votos de boa viagem.
Embarcamos no transatlântico Araguaya, da Mala Real Inglesa, com destino a Montevidéu, no Uruguai. A viagem durou quatro dias, e o navio oferecia conforto, cozinha internacional e serviço impecável, permitindo a adaptação de todos os passageiros.
Em Montevidéu, fomos informados de que a continuação da viagem para Corumbá se daria a bordo do navio Vênus, do Loide Brasileiro, aguardando a chegada do Presidente eleito do Estado de Mato Grosso. A recepção a bordo do Vênus foi calorosa, agora entre compatriotas e amigos, iniciando a jornada que marcará a história da Expedição Rondon.








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